Nova Arcada recebe concerto único de fado com a voz de Ana Ferreira

Silêncio que se vai cantar o fado… no dia 27 de junho, às 13h, na nossa restauração. A voz irá pertencer à cantora e fadista, Ana Ferreira. O espetáculo é gratuito e promete uma viagem pelos fados tradicionais icónicos, pelas marchas e temas populares e ainda por fados conhecidos de todos.

Ao fazer parte do publico terá oportunidade de contribuir e participar na atuação em diversas vezes, visto que será promovida a partilha entre a artista e os ouvintes. A fadista Ana Ferreira é natural de Braga e começou os estudos na música clássica com apenas 6 anos. Frequentou o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga e trabalhou no ensino musical até 2012. Em 2014 inicia o seu percurso no fado e desde então é convidada por músicos, casas de fado e entidades culturais para atuações nacionais e internacionais.

Para que a pudesse conhecer melhor, decidimos entrevistá-la.

 

Começou os seus estudos em música clássica com seis anos. Foi nessa altura que nasceu a paixão pelo Fado?

Nunca cresci com paixão pelo Fado. Aliás, tinha por hábito retirar a agulha dos discos de vinil quando o meu Pai punha Amália ou o Frei Hermano da Câmara a tocar. Achava o Fado demasiado triste, complicado e monótono e nem me detinha a pensar sobre isso. Contudo, desde novinha que tinha por referência as vozes da Dulce Pontes e a Teresa Salgueiro… e em nada tinham a ver com o fado. Mesmo em adolescente, era simplesmente um estilo que não ouvia porque não me despertava interesse, não conhecia nem estava no meio.

Com a morte da Amália e logo de seguida a elevação do Fado a Património Imaterial, houve uma incrível mediatização do Fado que volta a ganhar espaço nas rádios e nas prateleiras de cd’s.

Estávamos em 2000 e recordo ouvir a Mariza passar na rádio e achar que tinha imensa força e talento. Ainda assim, só em 2015 começo a tirar o véu ao Sr. Fado. Foi giro sentir e perceber o gozo que me dava cantar e a curiosidade que me aguçava em saber mais sobre este género. Tinha já 35 anos e podia dizer que o Fado foi uma paixão tardia na minha vida, mas não foi! Aconteceu quando teve de acontecer, numa qualquer incerteza de um tempo certo.

 

Quem são as suas inspirações e referências no Fado?

 

A verdade – e com muito orgulho nisso, posso dizer que o primeiro cd de fado que comprei foi o “Transparente” da Mariza.

O primeiro concerto a que assisti (note-se “concerto”, porque eu nem tinha a menor ideia de que havia casas de Fado, botecos e tascas) foi da Mariza. Andava alucinada com o poder vocal daquela mulher e com a forma como as palavras que ela cantava exerciam poder e fascínio em mim. Claro, o Luís Guerreiro (que a acompanhava na altura) também me deixava de olhos em bico e ouvidos em sentido.

Até então, e por desconhecimento, para mim a guitarra portuguesa era a do Carlos Paredes, que gostava muito de ouvir também. Ou seja, fiz um qualquer percurso contrário, porque só depois de começar a cantar fui conhecendo os músicos fadistas, poetas e toda a engrenagem do fado.

Portanto as minhas primeiras referências foram a Mariza, a Ana Moura e a Carminho, que se juntaram ao prazer que eu tinha em ouvir o Carlos do Carmo e sobretudo o Camané.

Eu já cantava esporadicamente e só então comecei a ouvir falar (e a procurar) Fenanda Maria, Beatriz da Conceição, Ada de Castro, Celeste Rodrigues, Hermínia Silva, Argentina Santos, Maria da Fé, Maria da Nazaré, Lenita Gentil e muitas outras referências.

Só então começo a descobrir todo o mundo musical da Amália. Foi a paixão total, um soco musical e sentimental que levei.

 

O que é que o Fado a faz sentir?

Muito prazer. O privilégio de “gozar” e saborear cada palavra que digo. Sim, porque o fado não é mais nem menos que um veículo para a palavra. E a palavra traz emoções, sentimentos, memórias… O facto de cantar tão próxima dos músicos também é algo que adoro, a comunicação intuitiva que se estabelece, o adivinharem o que vamos fazer na frase seguinte e vice versa.

Sobretudo, adoro a expansão musical que estou a aprender com o fado tradicional; para quem vem da “quadratura” do ensino e aprendizagem da música clássica, em que não podes tocar uma nota diferente da que está escrita (e que eu adoro também!), esta liberdade de no fado brincarmos com as melodias, com o “estilar” de acordo com os poemas e o nosso estado de espírito é para mim viciante e super aliciante.

Para responder à questão, o Fado dá-me prazer. Quando o canto triste ou alegre. Porque o fado não é meu nem de quem o canta. É de quem o recebe e a ele reage.

 

Diz-se que o Fado é um estilo musical muito emotivo e que leva muito de quem o canta. É preciso abrir-se a alma e estar-se emocionalmente preparado para cantar Fado?

Eu acho que nós os portugueses temos sempre a alma aberta…sejamos fadistas ou não! E por isso somos emotivos, ainda que vistamos a capa de durões. Porque o fado não é uma coisa exclusiva do seu meio. O fado cresceu com as histórias das almas e vidas das pessoas.

E o Fado leva tanto de quem o canta como o Cante, como as Desgarradas, como os temas dos nossos magníficos cancioneiros populares… como uma ária de Mozart ou Puccini leva de quem a canta; ou uma invenção de Bach leva de quem a toca; ou uma Bossa do Caetano leva de quem a ouve…

O fado não é um qualquer “género maior”, nem o vejo como o género musical que representa a nossa música e os portugueses. Isso seria não só uma redução e categorização do próprio fado, mas sobretudo uma redução do imenso património musical português, do qual me orgulho muito.

Cada um canta melhor naquilo em que se sente bem e naquilo em que se encontra. Eu encontrei-me no fado e isso agrada-me muito, mas nada é perene nem imutável. Aliás, não gosto de me apelidar de Fadista. Sou uma cantora, isso sim! Esse é o meu verdadeiro fado.

 

Qual foi o concerto que mais a marcou?

Marcou-me pela negativa, mas hoje já me rio disso. Em 2017, venci um concurso em Viana do Castelo, cujo prémio era cantar no Teatro Sá de Miranda com uma orquestra e músicos do fado. Isso  foi super apelativo para mim. Já tinha cantado e trabalhado neste palco imensas vezes e conhecia a casa como a palma da mão, mas nunca tinha cantado fado.

Os nervos, a insegurança, a ansiedade tramaram-me e não gozei nem aproveitei nada. Entrei mal, fiz os músicos entrarem mal também, cantei desafinada… foi uma experiência terrível. Achei que tinha enterrado ali toda e qualquer oportunidade. O engraçado foi, quando depois disto, começo a ser contactada para espetáculos em Viana e todo o distrito que, até hoje, é onde mais trabalho.

O saldo é imensamente positivo, são tantas as memórias bonitas de cada concerto, cada um com a sua peculiaridade que seria difícil eleger o que mais me marcou.

Todos marcam por razões diferentes. Recordo uma noite numa Associação Portuguesa em Maiz (UDP) com longa tradição no fado. Era a minha primeira vez lá e em 100 pessoas, 98 eram alemães que não falavam nem entendiam português. E eu, claro, nada percebia de alemão.

O concerto aconteceu e eu e os músicos preocupadíssimos com o pesadíssimo silêncio que sentíamos e com os rostos inalteráveis, de olhos muito abertos, mas quase inexpressivos deste público. Até ao final do concerto achamos que não estavam a gostar, que estariam entediados, mas que por questões culturais não saíam antes do final. Quando terminamos houve uns segundos de silêncio. Até que começaram a aplaudir em pé, super entusiasmados, gritando “bravo” e “super”. Fizemos três encores e nem assim queriam que terminasse o concerto. No final vieram em massa partilhar da alegria e emotividade que sentiram durante o concerto. Absolutamente encantados e efusivos, não só com a nossa prestação, mas com o Fado.

 

O que é que o público pode esperar deste concerto no Nova Arcada?

 

Partilha e muita emotividade porque este regresso aos concertos é muito vivido e aguardado. Eu, o Marco Quaresma e o Rogério Rocha estamos cheios de ideias para o concerto. Há temas quase incontornáveis em qualquer espetáculo… Contudo, para o Nova Arcada, temos alguma surpresas preparadas que jogam com o espaço e a dinâmica do Centro, um local para muitos à partida, inadequado para o Fado. Esse é o desafio mais bonito.

Porque se o Fado são as pessoas, então as pessoas é que fazem o fado acontecer, ao invés dos locais onde ele acontece. E, claro, a oportunidade de cantar em Braga, a minha cidade natal, redobra o gosto e aumenta a vontade. Espero mesmo que os Bracarenses venham para cantar, para ouvir sempre e para partilhar este momento connosco.